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O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suspendeu na última quarta-feira (7) o Programa Escola Cívico-Militar, criado pela gestão Tarcísio de Freitas. A suspensão atende a ação movida pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e o argumento para a decisão é que há incoerência na continuidade do programa enquanto o Supremo ainda debate a constitucionalidade da matéria.
Em Santos, mesmo após os relatos de problemas onde esse modelo foi implantado, a questão volta à baila, com a apresentação de um projeto de lei do vereador Rui de Rosis (PL, 2º Mandato) sobre o assunto. O PL 135/2024 foi apresentado pouco antes do recesso legislativo e teve parecer contrário da Procuradoria da Casa. Agora, a matéria aguarda decisão do vereador de arquivar ou manter a tramitação.

Enquanto isso não acontece, vale lembrar os motivos que fazem dessa iniciativa um verdadeiro retrocesso para a educação pública, além da perigosa substituição gradual de profissionais da educação concursados por militares escolhidos de forma discricionária:

1. Imposição de uma Cultura Autoritária
O ambiente escolar, que deveria promover a liberdade de pensamento, o desenvolvimento crítico e a autonomia dos estudantes, é restringido por uma disciplina rígida e um controle comportamental autoritário, típico de instituições militares. A abordagem tem o objetivo de limitar a capacidade dos alunos de desenvolverem habilidades de pensamento crítico e de questionamento, essenciais para a formação cidadã em uma sociedade democrática.

2. Desigualdade e Exclusão
Outro problema é a desigualdade que o modelo pode criar ou acentuar. As escolas cívico-militares tendem a ser implementadas em áreas específicas, geralmente onde o governo vê a necessidade de “impor ordem”. Isso pode resultar em um tratamento desigual entre escolas e estudantes de diferentes regiões, criando uma divisão entre escolas “disciplinadas” e “indisciplinadas”. Além disso, a exigência de certos padrões de comportamento e adesão a regras estritas pode levar à exclusão de alunos que não se adaptam facilmente ao modelo, aumentando o índice de evasão escolar.

3. Foco Desproporcional na Disciplina
Embora a disciplina seja importante para o funcionamento de qualquer ambiente educacional, o modelo cívico-militar, com foco excessivo na disciplina, tende a priorizar a ordem e a obediência em detrimento de outras dimensões fundamentais da educação, como a criatividade, a expressão individual e o desenvolvimento emocional. Isso pode levar a uma educação nociva, onde o cumprimento de regras é mais valorizado do que o aprendizado significativo e o desenvolvimento integral dos alunos.

4. Conflito de Funções e Competências
Militares não têm formação pedagógica. Mesmo que atuem apenas em funções de gestão escolar e disciplina, a falta de competência desses profissionais para lidar com questões educacionais complexas será prejudicial ao cotidiano escolar. Além disso, esse modelo pode gerar conflitos entre os educadores civis e os militares, já que as abordagens pedagógicas e disciplinares são bastante distintas.

5. Impacto na Gestão Democrática
O modelo cívico-militar ataca a gestão democrática das escolas. Em uma escola pública tradicional, pais, alunos e professores têm o direito de participar ativamente das decisões escolares por meio de conselhos escolares e outras formas de participação. No modelo cívico-militar o poder de decisão pode se concentrar nas mãos dos militares, reduzindo a participação da comunidade escolar e, consequentemente, minando a democracia dentro da escola.

6. Eficácia Questionável
Por fim, não há elementos que demonstrem a eficácia do modelo cívico-militar no desenvolvimento integral dos estudantes. Embora os defensores do modelo apontem para melhorias na disciplina e na segurança, os resultados em termos de aprendizado e desenvolvimento cognitivo dos alunos não demonstram melhora. Estudos sobre o impacto desse modelo ainda são limitados e, em muitos casos, os ganhos observados podem estar mais relacionados a investimentos em infraestrutura e recursos humanos do que ao modelo de gestão em si. Ora, se se pode investir em estrutura e recursos humanos nas unidades cívico-militares, porque os governos não o fazem no atual sistema?

E agora?
O projeto que institui o Programa Escola Cívico-Militar foi aprovado em maio deste ano pela Assembleia Legislativa de São Paulo, e definido como Lei Complementar Estadual, sancionada pelo governador. Com a suspensão judicial, o assunto será analisado no Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade ao Supremo, proposta pelo PSOL e acolhida pelo ministro Gilmar Mendes.

A seguir, destacamos alguns episódios recentes que trouxeram à tona problemas enfrentados por escolas cívico-militares em diferentes partes do país.

1. Denúncias de Violência e Abuso de Autoridade em Goiás
Em 2023, uma escola cívico-militar localizada em Anápolis, Goiás, foi alvo de denúncias envolvendo violência física e psicológica por parte dos militares que atuam na instituição. Relatos de estudantes e pais indicaram que alunos foram submetidos a práticas abusivas, como humilhações públicas e castigos físicos, sob o pretexto de manter a disciplina. A situação gerou revolta na comunidade local e motivou a abertura de uma investigação pelo Ministério Público de Goiás, que busca apurar as responsabilidades e tomar as medidas cabíveis.

2. Discriminação e Exclusão em Escola de Porto Alegre
Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, uma escola cívico-militar enfrentou sérias críticas após a divulgação de que alunos com dificuldades de adaptação às regras rígidas do modelo estavam sendo discriminados e marginalizados. Pais de estudantes relataram que seus filhos foram excluídos de atividades escolares e alvo de bullying por parte de colegas e até mesmo de funcionários da escola, devido à incapacidade de se adequarem aos padrões exigidos. O caso ganhou notoriedade e suscitou um debate sobre o impacto do modelo cívico-militar na inclusão e na diversidade no ambiente escolar.

3. Problemas na Gestão e Conflitos Internos no Amazonas
No estado do Amazonas, uma escola cívico-militar localizada em Manaus enfrentou uma crise interna devido a conflitos entre militares e educadores civis. Relatórios indicam que divergências sobre a gestão da escola e a abordagem pedagógica geraram um ambiente de tensão constante, prejudicando o funcionamento das atividades escolares. Professores reclamaram de interferências excessivas dos militares em questões pedagógicas, enquanto os militares acusaram os educadores de resistência às mudanças propostas. Esse conflito culminou na saída de alguns profissionais da escola e levantou questionamentos sobre a viabilidade da coexistência harmoniosa entre os dois modelos de gestão.

4. Evasão Escolar e Desmotivação em Escola de Salvador
Em Salvador, Bahia, uma escola cívico-militar viu seu índice de evasão escolar aumentar significativamente após a implementação do novo modelo. De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Educação do Estado, muitos alunos abandonaram a escola devido à incapacidade de se adaptarem ao regime disciplinar rígido. Além disso, pesquisas internas revelaram uma queda na motivação dos estudantes, que relataram sentir-se desestimulados e pressionados por um ambiente excessivamente autoritário. A situação alarmou as autoridades locais, que passaram a reavaliar a continuidade do modelo em outras escolas da região.

5. Falhas na Infraestrutura e Falta de Recursos em Minas Gerais
No estado de Minas Gerais, uma escola cívico-militar localizada em Belo Horizonte enfrentou sérios problemas relacionados à infraestrutura inadequada e à falta de recursos. Alunos e professores relataram que, apesar da promessa de melhorias, a escola continuava operando em condições precárias, com salas de aula superlotadas, falta de materiais didáticos e problemas de manutenção. A situação foi agravada pela falta de apoio financeiro suficiente por parte do governo, que, segundo a comunidade escolar, priorizou a implementação do modelo cívico-militar sem garantir os recursos necessários para seu funcionamento adequado. Esses problemas geraram protestos e pedidos de revisão do modelo por parte de pais e educadores.