charge300A observação crítica da Câmara de Santos permite identificar padrões de comportamento que ajudam o eleitor a fiscalizar a ação dos parlamentares. O número de requerimentos, indicações, discursos e projetos sobre determinado setor ou serviço indica a presença de ingredientes suficientes para permitir costuras e acertos político econômicos. Tramas desta natureza estão sempre relacionadas a grandes movimentações financeiras, ou seja, grandes contratos. Não é raro que em cidades urbanizadas o contrato da limpeza urbana tenha estado no centro de enredos não oficiais. Um setor cartelizado, capaz de financiar o sistema político em vários locais. Como subprodutos, a reciclagem e o lixo limpo surgem como negócio em expansão e o sistema político cobra um pedágio. O que acontece ainda com resíduos da construção civil e o lixo orgânico também passam pelo que ocorre em plenário.

O enredo nada tem de romântico. O país perde anualmente R$ 8 bilhões pelo volume de resíduos que deixa de reciclar, segundo o Ipea. Há uma pressão de mecanismos globais pelo cumprimento de metas de reciclagem. No plano local, a forma como o negócio é tratado pode ser lida também a partir de pautas constantes da Câmara. A produção de trabalhos ou discursos relacionados não passa de fogo amigo. Mas não deixam de revelar olhos gananciosos sobre os lucros da cadeia de negócios da logística reversa. Há grande interesse em participar e lucrar com o lixo limpo. Politicamente e financeiramente.

Em 6 de junho último o líder do governo Sadao Nakai (PSDB, segundo mandato) propôs entregar o lixo limpo da Câmara para a ONG Sem Fronteiras. Em um requerimento de apenas três linhas. Ele é um dos que sempre questionaram o sistema de coleta seletiva. Sustenta por exemplo que em cenário nacional, no ano passado, o volume reciclado cresceu, enquanto na cidade, caiu. A coleta seletiva em Santos é frequentemente questionada em plenário. Mas a natureza e o tom das cobranças parlamentares não passam de um desejo de acomodação. As falas e os textos produzidos parecem tratar a operadora do sistema como um ente que pode sempre dar mais. Como alguém que pode até financiar uma campanha. Os interesses variam de acordo com o partido e a postura do parlamentar. Os detalhes é que lançam maior clareza.

A conveniência desta correlação não existe para a população, que paga por um serviço caro. O contrato com a Terracom, o maior do município, é de R$ 133,5 milhões por ano. Valor tão alto pode permitir, por exemplo, que a empresa banque a queima de fogos do Réveillon. Não sobraria mais algum para alguma campanha, ou uma ajuda de custo mensal? O dia a dia da Câmara pode interferir nas respostas. Assim, requerimentos parecem feitos como se chantageassem a companhia, que ao final contribui com mimos. Este jogo de falsas cobranças ilude o eleitor e faz pensar que os parlamentares estão do lado da população.

De 2013 a setembro de 2016 o tema lixo esteve 986 vezes na pauta da Câmara de Santos. Se somado as citações de resíduos sólidos, totaliza 1010 vezes. No período, “lixo limpo” ou “reciclável” estiveram em 30 trabalhos apresentados, requerimentos ou indicações. A expressão “resíduos da construção civil” apareceu cinco vezes. De um modo geral, Sadao Nakai, Evaldo Stanislau (Rede, primeiro mandato) e Douglas Gonçalves (DEM, primeiro mandato) foram os que mais apresentaram questionamentos sobre o lixo, principalmente o reciclável. Em alguns casos, mesmo em se tratando de fogo amigo, as questões levantadas colocam a pulga a atrás da orelha até do observador menos atento. Os documentos lidos em plenário querem saber quanto é recolhido de lixo limpo, qual o valor arrecadado e quanto é reinvestido no sistema. As respostas, até hoje, não são conhecidas. Ao que parece, há uma caixa preta controlada pela empresa operadora. Isto dá margem para parlamentares exercerem algum tipo de cobrança e até de chantagem.

Em 2013, num requerimento para lá de singelo, Douglas Gonçalves questionava para onde ia o lixo limpo recolhido, quantas pessoas trabalhavam, qual o total mensal recolhido e o que é reaproveitado. Em 2012 Manoel Constantino (PSDB, oito mandato) pedia para incluir no itinerário dos caminhões do lixo limpo bairros ou locais da Zona Noroeste, seu reduto eleitoral. Dentre eles, Caminho da Divisa, da Capela, São José, São Sebastião, Vila Telma, Vila Mansur e o Butantã.

Após seguidos requerimentos sobre o descarte de resíduos da construção civil, em outubro de 2015 Adilson Jr voltou a carga, mas então, a expressão ganhava uma sigla, quase uma mensagem cifrada – RSCC. Em requerimento, pergunta qual o volume de RSCC particular que excede o volume oficial depositado no aterro sanitário. E mais: onde é o local para descarte deste material, e pede que sejam apresentadas as licenças de funcionamento. Em 25 de maio de 2015 Douglas fazia questionamento semelhante. Perguntava também a quem compete fiscalizar o descarte dos resíduos da construção. “Existe fiscalização, quantas empresas já foram multadas?”. Na mesma linha, outro governista também se manifesta sobre o tema. Em 21 de março de 2016, Sandoval Soares (PSDB, primeiro mandato) questiona. “Qual órgão da Prefeitura legalmente responsável pela fiscalização, coibição e notificação de ações de descarte irregular de resíduos sólidos de qualquer natureza em logradouros públicos?”

Quanto ao lixo limpo, além de saber qual o volume recolhido e quanto e quem ganha com isso, há outras questões específicas. Evaldo Stanislau é quem lembra o histórico do serviço. A reciclagem foi criada inicialmente com a participação de paciente do Programa Municipal de Saúde Mental. Em visita ao local, em março de 2015, acompanhado de uma comissão do Conselho Municipal de Saúde, cobrou melhores condições de trabalho, fornecimento de equipamentos de proteção (EPIs) e combate à insalubridade, além de requerer outras informações. “Quantos trabalhadores são originários do programa de saúde mental? Quanto do valor é reinvestido no sistema”. Com base em resposta anterior da prefeitura, de que 40% do material não têm como serem reaproveitados, questiona. “Quanto estes 40% representam em volume e existe cálculo do desperdício em termos financeiros?”.

Para fazer sombra ou por também ter interesse na coleta seletiva, ao longo dos últimos anos Sadao Nakai tem apresentado requerimentos semelhantes. Em 6 de agosto de 2015 Sadão questionava: “Qual a carga horária de trabalho dos funcionários que atuam no Galpão da Alemoa separando lixo limpo? Esses trabalhadores são divididos por turnos? Se sim, quais os horários de cada um. O trabalho ocorre em quais dias da semana? Há expediente aos sábados? Se não, o que acontece com o material recolhido aos sábados nos bairros Caneleira, Saboó, Encruzilhada, Nova Cintra, Macuco, Ponta da Praia e Gonzaga?” Evaldo Stanislau, em maio de 2015, indagava: “O trabalho é feito pela Prodesan ou a empresa terceiriza o serviço? Qual o volume mês a mês desde 2014?

Em meio ao vai e vem de requerimentos sobre o lixo limpo alguns vereadores ganharam o direito de indicar locais para a instalação de contentores. Tratam-se dos equipamentos na cor laranja, instalados em quatro bairros a partir de 2014. Em plenário, apresentaram pedidos de instalação destes equipamentos, Kenny Mendes (PSDB, primeiro mandato), Manoel Constantino, Benedito Furtado (PSB, cinco mandato). Este último, após, pedir a fiscalização do descarte irregular em determinado local. Em paralelo, Sadao continuou querendo saber quantos eram e onde estavam instalados. E ainda resíduos da construção, RSCC, continuam a merecer a atenção. Em 29 de abril último Adilson Jr pedia informações sobre quanto do material deu entrada na estação de transbordo, pedindo uma relação mês a mês.

A atuação dos vereadores deixa transparecer que o negócio do lixo, em suas variações, é lucrativo e pode render dividendos. A postura de morde e assopra em relação à operação sugere que se não forem contemplados, podem se tornar críticos. Mas, sempre há a possibilidade da conversa. E, como ninguém passa recibo, é ai que a subjetividade do eleitor deve entrar em cena. Haveria uma cumplicidade entre a operação do lixo e o trabalho parlamentar? A renovação das cadeiras seria salutar para o processo político ter mais transparência. O candidato a ser escolhido nas eleições de outubro seria autêntico o suficiente para resistir a uma eventual sedução?