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Como sabemos, os eleitos para o Poder Legislativo têm à disposição um percentual do orçamento para direcionar às políticas públicas. As chamadas emendas parlamentares são um mecanismo que confere uma certa autonomia na hora do parlamentar escolher em que setor/local/programa uma parcela do recurso público municipal deve ser revertida dentro da Cidade.

A escolha deve visar melhorias dos serviços que atendem a população que mais necessita do poder público. Ajudar um maior número de pessoas possível nos setores mais prioritários e essenciais poderia ser um dos critérios dos vereadores. Poderia. Mas nem sempre é o que acontece.

No orçamento de 2019, os parlamentares de Santos terão R$ 15,6 milhões para fazer a distribuição. Cada parlamentar pode manejar R$ 745 mil do dinheiro público.

A maior parte das emendas apresentadas para serem inclusas na peça orçamentária foi aprovada em primeira discussão, na última segunda-feira (26). Outras foram retiradas ou rejeitadas com o intuito de receberem ajustes e então serem reapresentadas. A perspectiva é que tudo seja aprovado ainda nesta semana.

Analisando as mais de 400 destinações de verbas, nos deparamos com algumas situações estranhas. De cara saltou aos olhos o valor solicitado para projetos da Fundação Settaport.

 Provavelmente não é ilegal, mas soa no mínimo estranho que um vereador, no caso Chico Nogueira (PT, 1º Mandato), destine recursos das emendas parlamentares a que tem direito para uma entidade social onde atua como presidente.

Sabemos que os vereadores que destinam recursos desta natureza – por sinal dinheiro público têm a obrigação de serem os primeiros a fiscalizar o bom uso dos valores. Como seria na situação acima? O vereador fiscalizaria a si próprio?

Inicialmente, o parlamentar destinaria para a Fundação Settaport R$ 240 mil, para três projetos diferentes, coordenados pela referida organização do terceiro setor. No entanto, uma das emendas, no valor de R$ 120 mil, foi rejeitada a pedido do próprio vereador, provavelmente por necessitar de ajustes. Até o fechamento desta matéria não sabemos se ela foi reapresentada, ainda que com alguma alteração.

Outras duas emendas para a mesma entidade, no valor de R$ 80 mil e R$ 40 mil, já foram aprovadas em primeira discussão. A Fundação é ligada ao Sindicato dos Empregados Terrestres em Transportes Aquaviários e Operadores Portuários (Settaport), cuja presidência também é exercida por Chico Nogueira.

Datas temáticas

Dia de Portugal, Dia da Festa do Divino do Espírito Santo, Dia do Rock. Estes são alguns exemplos de dias temáticos que podem receber verba parlamentar em 2019. Os dois primeiros devem receber emendas de R$ 20 mil e R$ 15 mil, respectivamente. O terceiro, de R$ 10 mil.

Tem também a Festa de Iemanjá (R$ 25 mil em duas emendas), Dia do Secretário (R$ 5 mil), Dia de Santa Sara Kali (R$ 2 mil) e muitos outros.

Nada contra exaltar tais datas e realizar eventos comemorativos, mas sabemos que se tratam de celebrações segmentadas, ao contrário de programações artísticas ou mostras culturais mais gerais, que visam atingir todos os públicos.

Fomentar datas comemorativas que atendem segmentos tão específicos são tarefas do Legislativo?

Ou, na verdade, as subvenções visam dar para os autores das emendas visibilidade em potenciais redutos eleitorais?

Não seria mais proveitoso garantir recursos para datas atreladas a campanhas de saúde, onde o objetivo é conscientizar a população da importância de cuidados preventivos, que podem salvar muitas vidas? Ou esse tipo de ação rende menos votos por serem um tanto pulverizadas e pouco clientelistas?

Até foram formalizadas emendas para datas que visam conscientização em saúde. Mas elas tiveram valores menores. É o caso da Semana Municipal do Diabetes, que deve receber apenas R$ 5 mil. Já a Campanha Novembro Azul, que precisa ser mantida por um mês inteiro, conseguiu apenas R$ 15 mil. Menos do que o Dia de Portugal, cujo subsídio foi de R$ 20 mil.

População de rua

O problema da população em situação de rua sempre rende discursos inflamados no plenário. É um tema que dá audiência e projeção. Tem vereador que faz vários vídeos sobre o assunto. Outros enviam requerimentos e até projetos de lei.

Enquanto a questão do abandono e maus tratos de animais é bem respaldada pelas políticas publicas e pela rede de entidades que se dedicam à causa em Santos, o mesmo não pode ser dito sobre a parcela de nossa própria espécie que vive nas ruas santistas. No entanto, esse ultimo público não teve lá muita importância no rateio do dinheiro de emendas. Em 2019, a ajuda a indivíduos em condição de mendicância terá praticamente o mesmo peso que ajuda para programas que atendem animais.

Dos R$ 15,6 milhões distribuídos em mais de 400 emendas, R$ 32 mil deverão ir para a Codevida (Coordenadoria de Proteção da Vida Animal), por meio de cinco vereadores. Já para o atendimento da população em situação de rua, em especial o Seacolhe-Aif (Seção de Acolhimento e Abrigo Provisório de Adultos, Idosos e Famílias em situação de rua), foram destinados R$ 35 mil, por quatro parlamentares.

Isso porque neste último grupo consideramos os R$ 10 mil encaminhados pelo vereador Benedito Furtado (PSB, 5º Mandato) para construção de baias para cachorros em abrigos para moradores de rua como sendo um benefício para os proprietários desses cães.

Escolas de Samba

Também chamou a atenção o olhar especial para as escolas de samba, em detrimento de outras áreas. Projetos das agremiações levarão um total de R$ 180 mil, além de mais R$ 5 mil destinado à Liga que as representa.

Não que o Carnaval não seja importante. Mas para alguns vereadores o nível de importância da festa popular parece ser maior do que a melhoria da qualidade de atendimento nas unidades básicas de saúde.

Para se ter uma ideia, o vereador Jorge Vieira, o Carabina (PSDB, 3º Mandato) destinou R$ 25 mil para Escola de Samba União Imperial, a mesma quantia para as agremiações X-9 e Real Sociedade e outros R$ 17,5 mil para Escola de Samba Brasil, totalizando R$ 92,5 mil.

Em contrapartida, o tucano destinou apenas R$ 5 mil para, por exemplo, ações voltadas ao Idoso, no âmbito da Coordenadoria Municipal do Idoso. Aliás, somando as emendas de todos os parlamentares para programas municipais voltados à terceira idade, os auxílios não passam de R$ 40 mil.

Sem contar que as quatro instituições carnavalescas receberão quase o mesmo que as dezenas de unidades de saúde básica, para as quais o vereador destinou apenas R$ 120 mil para obras, aquisição de material permanente e de consumo.

Os casos acima são apenas alguns exemplos que levam à reflexão sobre o caráter das emendas. O bastante para reforçar a pergunta de sempre: Vereadores de Santos, para quem eles trabalham?