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O Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) cansou de enviar recomendações sobre irregularidades que a Câmara de Santos vinha cometendo no uso do dinheiro público. Em decisão do último dia 23 de outubro, a paciência acabou e o órgão de controle julgou irregulares as contas do Legislativo, referentes ao exercício de 2015.

São várias as inconformidades apontadas no acórdão, publicado no último dia 8. Uma delas refere-se ao gasto de mais de R$ 20 mil em viagens e passagens que nada têm a ver com as atribuições da Casa ou com o interesse público.

Segundo o TCE, o espólio do ex-presidente Marcus Vinicius Gomes de Rosis terá de devolver R$ 19.818,12, com as devidas correções monetárias. Para o órgão o montante foi usado indevidamente em uma viagem (passagens aéreas, hospedagens, táxis, alimentação) para Lisboa, em Portugal. De Rosis, que faleceu no mesmo ano, participou de uma comitiva de visita técnica pelo 5º Fórum da Indústria da Construção de Santos (FICON).

Além disso, o vereador José Teixeira Filho (PSD, 2º Mandato), também será notificado a ressarcir em R$ 400,00 os cofres públicos. Zequinha usou o dinheiro em uma locomoção de táxi para São Paulo, onde participou de um simpósio de Direito Marítimo e Portuário.

Integrantes do Ministério Público de Contas e os conselheiros do TCE entenderam que as alegações dos representantes do legislativo não foram capazes de justificar o atendimento ao interesse público na participação dos dois vereadores nos referidos eventos. Também não houve relatórios circunstanciados apontando os benefícios obtidos para a Cidade. Sequer houve a comprovação do comparecimento e da participação deles nos eventos.

“Os referidos gastos não podem ser aceitos, pois não cumprem os princípios básicos da administração, especialmente da moralidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, que decorrem do artigo 37 da Constituição Federal, nem as normas

concernentes à liquidação de despesas públicas, estabelecidas no artigo 63 da Lei nº 4.320/646”, afirma o conselheiro e relator do processo, Sidney Estanislau Beraldo.

E essa não é a primeira vez que algo assim acontece. “Observo que imperfeições dessa natureza também foram objeto de recomendações por esta Corte no exame das contas do exercício de 2011 (TC-002764/026/11, DOE-SP de 29-06-13), oportunidade em

que o responsável, Manoel Constantino dos Santos, então presidente,

afirmou em sua defesa que ‘…as divergências apontadas são meramente formais e já estão sendo dirimidas por meio de correção do sistema operacional’, fato que não se confirmou nas presentes contas”, complementou o conselheiro.

Contrato

O Tribunal de Contas verificou outras irregularidades que dão plena sustentação à reprovação das contas do Legislativo. Por exemplo, a utilização da força de trabalho de 23 jovens aprendizes, por meio de um contrato com o Centro de Aprendizagem e Mobilização Profissional e Social (CAMPS), ao custo total de R$ 393.213,00, por 12 meses.

“…dentre as diversas irregularidades apuradas (o TCE) destacou como mais graves a ausência de parâmetros de qualificação técnica das proponentes e dos respectivos responsáveis, além da não manifestação explícita da Comissão de Licitação acerca da interposição de recurso do CAMPS, com pedido de inabilitação da Associação Educacional Santa Rita do Passa Quatro, por falhas na apresentação da documentação. Opinou pela irregularidade do ajuste diante da majoração dos valores pactuados sem previsão no edital e no contrato”.

Nesse quesito, o relator Sidney Beraldo fala em diversas “impropriedades apontadas no edital de Tomada de Preços nº 02/2015 (…), por meio de entidades sem fins lucrativos, instrumento eivado de exigências contraditórias ou inaplicáveis ao objeto do certame”.

Para o conselheiro, as explicações da defesa não eliminaram os questionamentos da Fiscalização. “Ademais, a inadequação ocorrida na execução do Contrato nº 13/2015, firmado com o CAMPS, relativa à majoração de preços sem previsão no edital e no contrato, corrobora o entendimento de irregularidade do ajuste”.

Por conta das “graves impropriedades apontadas”, o órgão determinou a formação de autos próprios para exame desta tomada de preços e de seu respectivo termo de contrato. O que significa que há mais a apurar nesse caso.

 

MANOBRA PARA MAQUIAR OS GASTOS COM FOLHA

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Não há espaço para detalhar todas as inconformidades encontradas nas contas da Câmara. Uma delas, no entanto, merece atenção, pois vem sendo usada como subterfúgio para maquiar o percentual que a Câmara gasta com folha de pagamento.

Segundo relatório da Fiscalização, no item “Histórico dos

Repasses Financeiros Recebidos”, a Câmara vem projetando, desde 2013, crescente aumento da dotação designada, resultando em sucessivas devoluções de recursos ao Executivo. Os vereadores sempre fazem questão de usar essas devoluções como marketing próprio, alardeando que o Legislativo está economizando dinheiro. Foi assim na última quarta (12), quando o presidente Adilson Jr, anunciou a devolução de R$ 31 milhões ao Executivo.

Não é bem assim. Para o TCE, na verdade essa recorrente devolução de recursos caracteriza ausência de um planejamento de acordo com as reais necessidades orçamentárias do Legislativo. E mais: seria uma maneira de inflar as previsões orçamentárias para manter o índice de comprometimento da folha de pagamento sempre abaixo do limite da dotação, que é de 70%.

Veja o que diz o relatório: “Verifica-se que os percentuais de devolução de recursos nos últimos exercícios foram reiteradamente elevados, denotando que a previsão orçamentária não vem seguindo as orientações contidas na Lei nº 4.320/64, em especial o artigo 30, que determina que seja a estimativa da receita baseada na arrecadação dos três últimos exercícios, pelo menos, evitando-se, assim, orçamentos fictícios que não condizem com as reais necessidades orçamentárias do Órgão”.

O documento pontua ainda que “os repasses financeiros mostraram-se excessivos (R$ 76.829.992,00), proporcionando devolução de

duodécimos no final do exercício (R$ 18.958.964,76), equivalente a 24,68% do total recebido, em afronta aos artigos 29 e 30 da Lei nº 4.320/64 e 12 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Tal prática pode dissimular o atendimento ao limite constitucional para gastos com folha de pagamento, cujo cálculo para se apurar o percentual de 70% tem por base o valor bruto repassado. Nota-se que nas presentes contas a despesa com folha de pagamento atingiu o patamar de 68,33%, muito próximo do referido teto, a sugerir que a Câmara está se beneficiando de tal majoração para tangenciar referido limite, como bem sinalizou o Ministério Público de Contas”.

De acordo com o Tribunal, os percentuais de devolução dos exercícios ficaram assim: 2013 – 24,76%; 2014 – 26,26% e 2015 – 24,68%. Em pesquisa realizada no relatório da Fiscalização das contas de 2016, o relator verificou que do valor projetado para o referido exercício, de R$ 83.733.000,00, foram devolvidos R$ 24.157.257,97, representando 27,53%. Segundo ele, mais uma demonstração da inércia da Administração em atender às disposições legais.

Mesmo assim, déficit

Em relação ao item “Resultados Financeiro, Econômico e Saldo Patrimonial”, apesar do expressivo valor devolvido (R$ 18.958.964,76) aos cofres municipais, os demonstrativos contábeis de 2015 revelam resultados deficitários do ponto de vista financeiro (R$ 970.866,58) e econômico (R$ 474.450,22). Para Beraldo, estes números também denotam “ausência de planejamento orçamentário e financeiro do Legislativo, em total descumprimento ao princípio da transparência”. 

Resta perguntar: como a população pode acreditar que a Câmara exerce de fato seu poder fiscalizatório do Governo se sequer dá o exemplo nas suas próprias contas?