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Como era esperado, a sessão da Câmara desta segunda-feira foi bem longa. Devido à quantidade e à densidade dos projetos para discussão, a maioria com vetos do prefeito, os vereadores combinaram de esvaziar o expediente para ir direto à ordem do dia. Mesmo assim, a sessão terminou alguns minutos após a meia-noite.

Parte considerável das seis horas de sessão ficou a cargo das discussões sobre dois pareceres parciais que duas comissões especiais (CEVs) apresentaram, sobre as polêmicas obras do Projeto Nova Ponta da Praia. Aquele em que o grupo empresarial Mendes foi beneficiado com o modelo de outorga onerosa, em que tocará obras no bairro, em troca da cessão de um espaço para a construção de um Centro de Convenções.

Os detalhes do projeto não foram amplamente divulgados para a população. O anúncio deu como certas as obras quando a Câmara ainda estava de recesso. O projeto foi finalizado e anunciado antes de passar pela Comissão Municipal de Análise de Impacto de Vizinhança e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, conforme exige a Lei de Uso e Ocupação de Solo.

Obras e parcerias entre o poder público e privado sempre prometem bônus. Mas e o ônus? Por que as autoridades não costumam falar sobre eles? Neste caso, os possíveis ônus da reformulação do bairro estão bastante nebulosos. Sobretudo no que se refere ao futuro do Terminal Público Pesqueiro de Santos (TPPS) e do novo Mercado de Peixe. Há dúvidas não esclarecidas que preocupam quem vive da pesca há décadas. Mesmo assim, o canteiro de obras já iniciou preparações das intervenções.

E o que pedia os pareceres das CEVs criadas sobre o assunto? Prudência à Prefeitura no que se refere ao trecho 4 do projeto – este mesmo trecho que envolve os equipamentos ligados à atividade pesqueira. Pedia também que as obras deste setor não começassem antes que todas as dúvidas fossem sanadas com todos os interessados. (para ler o parecer clique aqui e vá para a página 176 do arquivo em pdf. Ou veja os prints publicados no fim deste texto)

O fato é que para a quase totalidade da bancada governista, ambos os pareceres soaram como uma espécie de heresia. Para o ex-líder do Governo, Ademir Pestana (PSDB, 4º Mandato) não é papel da Câmara fiscalizar tanto assim o Executivo. Oi?

“Não cabe à Casa essa observação de ser altamente fiscalizadora como está sendo aqui. Eu nunca ouvi esse tipo de observação aqui nesta Casa. (…) Como ex-líder do governo não perdi minha confiança no prefeito”, disse o tucano.

Outro que parece ter encarado a sugestão dos pareceres parciais como uma afronta foi o atual líder do Governo, Adilson Jr. (PTB, 3º Mandato). Este vereador, aliás, atuou como um verdadeiro cão de guarda para salvaguardar os vetos dos prefeitos em outros projetos que são – como ele mesmo falou – de interesse da população, mas colidem com aspectos legais. Sobre estes projetos falaremos nos próximos posts.

“Não somos contra os relatórios. Mas se aprovarmos esses pareceres ficará a mensagem de que a Câmara quer travar as obras”, disse Adilson Jr.

Ironicamente, um dos mais aguerridos defensores dos pareceres foi Sadao Nakai (PSDB, 3º Mandato), colega de partido do prefeito Paulo Alexandre Barbosa. “Aprovando esses relatórios não estaríamos fazendo nada além de cumprir o principal papel da Câmara, que é fiscalizar. E, mesmo assim, nada impediria que as obras seguissem, pois trata-se apenas de uma recomendação”.

Telma de Souza (PT, 3º Mandato), Chico Nogueira (PT, 1º Mandato), Fabrício Cardoso (PSB, 1º Mandato) também encaminharam os votos a favor dos pareceres. Cardoso, um dos relatores, não aceitou os apelos de Adilson Jr. para avocar (retirar) o parecer. Seria abrir mão do principal papel enquanto legisladores, que é fiscalizar os atos do Poder Executivo, justificou.

“O pessoal da Prefeitura ficou de voltar lá no TPPS para dar uma explicação melhor e isso não foi feito. Esse relatório é só uma sugestão, não altera em nada o andamento das obras de fato. Apenas demonstraria que estamos atentos. Alguém sabe dizer qual o impacto da perturbação sonora em relação ao heliponto que vai haver? Quantas vagas serão perdidas com o novo calçadão? Ninguém tem certeza. São muitas dúvidas”, ponderou o vereador.

Já o relator do outro parecer de igual teor, Sérgio Santana (PR, 2º Mandato), recuou e suspendeu a recomendação ao Executivo após os apelos do líder do Governo.

No final, ao ser votado o parecer mantido na discussão, a Câmara colocou a venda nos olhos e deu um passo atrás na transparência do projeto. Ao todo, 11 vereadores rejeitaram o documento, achando que não se faz mais necessário esclarecer pontos polêmicos do empreendimento. São eles Ademir Pestana (4º Mandato), Adilson Jr. (PTB, 3º Mandato), Audrey Kleys (Progressistas, 1º Mandato), Augusto Duarte (PSDB, 1º Mandato), Fabiano Reis (PR, 1º Mandato), Lincoln Reis (PR, 1º Mandato), Manoel Constantino (PSDB, 9º Mandato), Roberto Oliveira Teixeira (PSDB, 3º Mandato), Sérgio Santana (PR, 2º Mandato), Braz Antunes (PSD, 3º Mandato) e Jorge Carabina (PSDB, 3º Mandato).

Os 9 que não conseguiram levar o relatório adiante foram: Benedito Furtado (PSB, 5º Mandato), Bruno Orlandi (PSDB, 1º Mandato), Fabrício Cardoso (PSB, 1º Mandato), Francisco Nogueira (PT, 1º Mandato), Boquinha (PSDB, 3º Mandato), Zequinha Teixeira (PSD, 2º Mandato), Sadao Nakai (PSDB, 3º Mandato), Telma de Sousa (PT, 3º Mandato) e Banha (MDB, 5º Mandato).

Lembrando: o Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para apurar supostas irregularidades no projeto de revitalização e na celebração da Parceria Público-Privada (PPP).

Além disso, estudos de arquitetos divulgados pelo Jornal Diário do Litoral, apontam que o Termo de Compromisso firmado entre Prefeitura e o Grupo Mendes, permitindo a cessão onerosa de R$ 43.862.236,42, acaba fazendo com que o município abra mão de R$ 29.241.491,00.

Ainda conforme o estudo, o conjunto de obras ainda poderá gerar ganhos ao Grupo Mendes entre R$ 700 milhões a R$ 1,68 bilhão, com a valorização da área em função das intervenções anunciadas pela Administração. Ou seja, entre 5,5 e 12 vezes mais que ele poderá gastar com a construção do novo centro de convenções, do mercado de peixe e reforma da Ponte Edgard Perdigão e outras obras viárias no bairro, que somam R$ 130 milhões em investimentos.

Veja abaixo o teor do parecer da CEV criada para estudar impactos no viário da Ponta da Praia e na travessia de balsas, que foi rejeitado nesta segunda pela maioria dos vereadores:

RELATORIO1

RELATORIO2