acao-contra-lei-do-uberNão poderia ter sido mais eloquente a demonstração de desserviço prestado pela Câmara de Santos em pleno momento eleitoral. O episódio merece o repúdio do eleitor nas urnas em 2 de outubro. O conflito Uber X Taxi teve este mérito, expondo o papel a que se presta um Legislativo que age como uma casa onde se negociam interesses, em desprezo da maioria da população. A lei proposta por Ademir Pestana (PSDB, segundo mandato), aprovada e sancionada pelo prefeito provocou um inquérito no Ministério Público Estadual, em investigação de improbidade administrativa.

A legislação local estimulou taxistas a agirem contra motoristas do Uber. Vários casos de emprego da violência foram registrados nos distritos policiais. E no mais, a população não foi consultada se queria ou não este serviço. O promotor público do MPE, Antonio Taves Romero falou ou à imprensa. “A lei municipal, ao proibir a prestação do serviço de transporte privado de passageiros por meio de aplicativos, acabou por criar, de forma indevida, reserva de mercado em prol dos taxistas, acabando por violar o livre exercício da atividade privada, iniciativa, concorrência e o interesse dos consumidores”. Segundo ele, a lei federal considera privativo dos taxistas apenas o serviço de transporte público individual remunerado de passageiros.

Haveria bons motivos para este projeto não seguir adiante na pauta da Câmara. Primeiro, teria parecer contrário da Diretoria Jurídica. Segundo, o assunto tem discussão em esfera federal e uma lei local pode se tornar inócua. Terceiro, a população que seria a beneficiária da novidade não foi consultada. O parlamento serve também para isso, consultar a população que lhe conferiu o poder de carimbo, infraestrutura e recursos para legislar em seu nome. Pois bem, o projeto foi apresentado pelo artigo 24 do regimento interno, que significa regime de urgência. Apresentado e votado na mesma sessão. Taxistas estavam nas galerias. O projeto chegava encomendado, embrulhado, pronto para voto e discursos efusivos em defesa da categoria “formadora de opinião”, potencialmente multiplicadora de votos.

Desde o primeiro momento Vereadores de Santos – Para quem eles trabalham? mostrou o equívoco da proposta de Ademir Pestana. Foram apontados “populismo” e “política barata”, não em demérito à figura do parlamentar, mas por antever a pouca longevidade e alcance para o projeto. Também por ser um método fácil demais para garantir interesses. A página destacou (arte) em 20 de outubro de 2015: “O Uber foi criado em 2009, na Califórnia (EUA) e já está em mais de 60 países. Enfrenta inúmeras ações judiciais, inclusive no Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Tribunal de Justiça considerou que o Estado não pode proibir uma atividade econômica lícita, aberta à iniciativa privada e à livre concorrência, sob pena de afrontar garantias constitucionais. Uma regulação federal, em curso, tornará inócua a lei santista”. A análise da página viria a estar em total conformidade com a posição do promotor Taves Romero, que propôs também ação de inconstitucionalidade. E, a realidade foi ainda pior. Vieram o conflito, violência e a ação na Justiça.

Ademir Pestana, um dos vereadores que concorrem à reeleição, ainda protagonizou cena desnecessária, envolvendo assédio e intimidação a uma repórter do jornal A Tribuna. Em visita ao Sindicato dos Taxistas, Débora Pedroso foi cercada aos gritos por cinco motoristas, que ainda contaram com o apoio do parlamentar. “Estavam exaltados e se dirigiram a mim com dedo em riste. Faziam questão de dizer o meu nome completo diversas vezes, em tom ameaçador. Para provar que eram mais fortes, gritavam o tempo todo. Já estava acuada pelos taxistas, até que chegou na roda o vereador Ademir Pestana. Ele também apontou o dedo para mim e, em seguida, disse ao grupo ter me enviado um documento que eu havia ignorado na cobertura do tema. Fiquei desapontada com a postura do vereador e manifestei imediatamente minha decepção. Entendo que, como homem público, ele devia tentar apaziguar os ânimos do grupo”.

Em toda situação relacionada á proibição ao Uber a atitude do vereador expõe o desgaste do modelo de Câmara praticado em Santos e que precisa ser renovado. É preciso mudar a composição do parlamento e mudar, sobretudo, as práticas. O parlamento não pode ser um cartório ou um balcão de negócios e deve atuar na promoção do bem estar coletivo da maioria da população, bem como na fiscalização sobre o gasto público. Na ausência de discussões indutoras do desenvolvimento socioeconômico e humano, é comum a apresentação de projetos com vários tipos de viés. Projetos inconstitucionais constituem capítulo à parte. A Casa tem assessoria jurídica, que aponta os erros flagrantes nas matérias. Mas, o ímpeto de mostrar serviço ou de atender a interesses, no entanto, faz com que vereadores usem de corporativismo, votando contra o parecer jurídico negativo e aprovando diversas propostas. Assim, fazem, na prática, propaganda enganosa com seus eleitorados, já que muitas das leis acabam vetadas pelo prefeito.

O acompanhamento e a cobrança do eleitor sobre o trabalho dos parlamentares pode fazer com que haja uma melhoria na qualidade das propostas. Enquanto isso não acontece, cabe tentar acertar na hora do voto, escolhendo aqueles que têm compromissos sociais mais claros e menos dados a factoides. Jogar para mídia e o eleitorado é aliás, um dos maiores desvios da conduta parlamentar. Não constroem boas políticas os que veem no oportunismo mal avaliado, a chance de obter algum ganho pessoal e ou eleitoral. Com o voto, o eleitor.