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Vereadores de Santos deram uma esnobada na Constituição Federal ao referendar, nesta segunda (22), um projeto de lei que trata sobre serviços de capelania em Santos.

A proposta é do vereador Ademir Pestana (PSDB, 4º Mandato). O tucano apresentou apenas dois projetos de lei este ano. Isso mesmo: 2 PLs em 10 meses!

E o que constatamos quando um deles vem para a pauta? Que a matéria conflita com a carta magna. Como todos sabemos, nosso estado é laico. Estado laico significa um território com uma posição neutra no campo religioso. É um país que tem como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião.

Embora frise em seu artigo 1º que os serviços de capelania serão realizados em “igualdade religiosa, sem distinção de credo, respeitando o direito à crença do cidadão”, PL 29/2018 se contradiz em seu artigo 3º. Neste trecho há um obstáculo à imparcialidade prometida antes, pois restringe a atividade apenas aos capelães que estiverem credenciados e qualificados por instituição de classe.

Fica clara a limitação quando lembramos que existem algumas religiões ou crenças que não possuem propriamente uma classe. Religiões de matrizes africanas e os agnósticos foram exemplos citados na sessão pelo vereador Fabrício Cardoso (PSB, 1º mandato).

No artigo 4º, parágrafo único do PL do vereador Pestana também há condições limitadoras à função. Uma delas é a obrigatoriedade do capelão trajar uniforme ou identificação onde conste o nome da instituição de classe, nome completo e assinatura do responsável por tal instituição.

E o que diz a Constituição? Conforme o inciso VII do artigo 5º, “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”. O inciso anterior – o VI – frisa que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Na Lei Federal 6.923, de 1981, também está explícito que em âmbito militar “o Serviço de Assistência Religiosa será constituído de Capelães Militares, selecionados entre sacerdotes, ministros religiosos ou pastores, pertencentes a qualquer religião que não atente contra a disciplina, a moral e as leis em vigor”. O trecho está no artigo 4º.

Esses pormenores que pareciam inofensivos chamaram a atenção também de Benedito Furtado (PSB, 5º mandato). Junto com o colega de partido, eles se posicionaram contra o projeto e concordaram com o parecer contrário da Comissão de Justiça, Redação e Legislação Participativa (CJRLP). No entanto, no final, o alerta da comissão foi rejeitado por 14 votos contra 4.

O parecer contrário da Comissão também se baseou em outros conflitos com a Constituição Federal. Entre eles o de que a proposta de legislação invade competências do Executivo no que se refere à organização e funcionamento de hospitais, escolas, asilos, orfanatos e outros equipamentos públicos.

Além disso, o PL do líder do governo ainda estaria obrigando os hospitais e demais instituições particulares a manterem esse tipo de serviço religioso, o que afronta a livre iniciativa privada.

O fato é que mesmo com vários pontos inconstitucionais, a proposta retorna a outras comissões e segue seu trâmite na Casa até que seja votada em caráter definitivo. Provavelmente, será aprovada, já que a base de apoio ao governo é maioria. E Santos então terá mais um monstrengo legislativo para lidar.

Se contarmos a quantidade de projetos que ferem a Constituição que se amontoam na legislação municipal muita gente se espantaria. Segue o jogo.